09/06/2009

PAUL THEK (3)

A Europa fundamental Thek volta então à Europa em 1967 e na Europa multiplica a incrível variedade de materiais na sua obra e desenvolve a lógica de trabalho de "The Tomb" em projectos cada vez mais complexos, muitos dos quais intitulados "Procession...", num jogo de referências que incluiu a expressão "process" ("processo", como em processo artístico) mas que se cola ao imaginário dos rituais cristãos ("procissão") - "A Procession in Honor of Aesthetic Progress: Objects to Theoretically Wear, Carry, Pull or Wave" (1968), por exemplo. Estratégias próximas das de movimentos como o Fluxus, a Arte Povera e o Accionismo Vienense parecem óbvias. E tal como em quase todos estes movimentos, a cooperação com outros artistas marca também definitivamente a obra de Thek na Europa. Um dos exemplos é "Ark, Pyramid", projecto desenvolvido pela Artist's Coop ("cooperativa do artista"), o colectivo com que trabalharia muito tempo e com o qual estaria na Documenta de 1972, é também o caso da peça com que se apresentou na Bienal de São Paulo de 1985, enquanto representante oficial dos EUA, uma grande jangada - "Noah's Raft" ("a jangada de Noé") - que construiu com crianças de rua. Entre os precursores chave da arte processual, da critica institucional, do trabalho cooperativo como prática social, Thek, um "bricoleur", modelo do artista socialmente activo que em 1968 expusera ao lado de Joseph Beuyes em Kassel apreciando a sua "Soziale Plastik" (mas não a sua "falta de humor" e "pose"), dá por si de volta a Nova Iorque em 1987 a escrever a Franz Deckwitz, amigo e que membro frequente da "Artist's Coop", a propósito de uma mostra da Mokotoff Gallery: "A minha exposição aqui, em Nova Iorque, foi Escolha da Semana no 'Village Voice'. Fiquei muito contente, depois de tantos anos fora dos Estados Unidos... Mas... Não vendi nada, como sempre." Em Janeiro desse ano escrevera também a Deckwitz sobre a vontade de ingressar no mosteiro da Cartuxa da Transfiguração, em Mount Equinox, Vermont. Em princípios de Fevereiro comunicara aos amigos o que os médicos lhe haviam dito, pedindo sigilo. Escreve a Dekwitz: "O meu médico diz-me que, segundo todos os indícios, estou a desenvolver sida. Não sei o que é que isso vai implicar..." Noutra carta, explica: "Tenho que assumir o facto de que talvez só viva uns quantos anos mais, 'talvez' menos. (...) Escrevi à gente de Baden-Baden a pedir que NÃO ANULEM NEM ADIEM as datas da exposição. Seria uma lástima que a retrospectiva NÃO se fizesse ENQUANTO ainda estou vivo! 'Depois' será MUITO MAIS DIFÍCIL..." Peter Hujar, amigo de sempre, talvez um dos amantes entre os homens e mulheres com quem Thek teve casos fugazes, morre a 26 de Novembro desse mesmo ano, também com sida. Entre a obsessão e a depressão Num dos textos da monografia agora lançada pelo Reina Sofia, o coleccionador Harald Falckenberg, presidente do Kunstverein de Hamburgo, diz que Thek oscilou toda a vida entre a obsessão e a depressão: "Era astuto, afectuoso, encantador e divertido, tinha visões e um agudo sentido de justiça, mas era capaz de descer de forma abrupta a fases de desprezo por si mesmo, de profundo desespero, de conduta abusiva inclusivamente contra os seus melhores amigos, e de isolamento incondicional." Flackenberg sugere esta instabilidade como um dos motivos da relação bicuda entre Thek e algumas instâncias de afirmação artística. Cita também uma carta a Sontag, muito próxima da data da morte, em que é clara a forma como duvida de si mesmo. Agradecendo-lhe tê-lo ajudado a conseguir uma bolsa da Fundação Krasner-Pollock, escreveu: "Muito obrigada por responderes sobre o meu bom carácter (?) e NECESSIDADE." Por então, Thek estava retirado num pequeno apartamento no Lower East Side, não longe da Bowery, na altura uma zona de rendas baixas e criminalidade alta. Data desta altura grande parte das suas belíssimas "Newspaper Paintings" - pinturas feitas sobre papel de jornal, tidas como uma referência à temporalidade e ao declínio, num estilo que alguém descreveu já como "flutuante", por uma única e ténue passagem de tinta pelas superfícies base, atmosferas rarefeitas, pouco mais do que sugeridas das quais desaparece a figura humana; ficam as paisagens e objectos, muitas figuras ligadas ao imaginário infantil. É hospitalizado em finais de Julho de 1988 e morre a 10 de Agosto, nomeando Bob Wilson, para quem fizera cenografias nos anos 1970, como testamenteiro. A notícia da sua morte, publicada no dia seguinte no "New York Times", diz muito da forma como a cena nova-iorquina da altura (não) olhava para ele. São cinco parágrafos anónimos e secamente informativos que acabam por aproximar a sua obra ao surrealismo de Salvador Dali. Nos dois primeiros parágrafos nem sequer um indício sobre a sua importância: "Paul Thek, um artista melhor conhecido por instalações com objectos a retratar cenas surrealistas de morte e renovação, morreu ontem no Lenox Hill Hospital em Manhattan. Tinha 54 anos. Sheyla Bayakal, uma amiga, disse que as causas da morte foram complicações resultantes de hepatite e doença gastrointestinal." Ainda no seu texto, Falckenberg aponta algumas obras de referências em que Thek não é sequer mencionado. "Art Since 1900", de Hal Foster, Rosalind Krauss, Yves-Alain Bois e Benjamin Buchloh é uma delas. Em meados dos anos 1990 o crítico britânico Stuart Morgan diria: "Há artistas que cerram os dentes, traçam a sua estratégia, fazem o seu trabalho e têm sucesso. E há artistas como Paul Thek. Fugitivo, pouco prático, Thek colaborou com outros durante grande parte da sua vida... não é que o êxito inicial de Thek e o seu fracasso final tenham feito parte de uma época perdida. O que se perdeu foi o significado dessa vida nessa época: uma vida de viagens, comunas e festivais, de drogas e promiscuidade, mas, acima de tudo, talvez, de expectativas de futuro. Agora sentimos que sabemos mais, as grandes esperanças dos anos sessenta eram infundadas." Estamos em 2009 e sabemos isto: que a História não se pode reparar, mas está sempre a tempo de ser revista.

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