14/07/2009

Bill Dixon e Rob Mazurek

As palavras não descrevem o poder e a beleza de Bill Dixon, só têm de abrir a vossa vida e ouvir. Em Setembro de 2006, Rob Masurek e Bill Dixon actuaram no Festival Internacional de Jazz de Guelph, em Ontário, Canadá, local onde um dia se conheceram por ocasião de um workshop dirigido por Bill Dixon. Nesse mesmo dia, Mazurek viu o seu herói tocar, pela primeira vez, em carne e osso, mas o que realmente impressionou Mazurek aconteceu no sound-check quando uma fotógrafa quis fixar Bill Dixon a tocar. «Ele pôs o trompete nos lábios e tocou o som mais sublime e poderoso que eu jamais tinha ouvido, diz Mazurek. Foi como se a igreja se tivesse desmoronado e que um milhão de pássaros brancos lhe tivessem saído do peito e pintado o céu de dourado e prateado. Um minuto de música pareceu uma eternidade. Bill terminou a música com uma desconcertação ascendente e parecia que o som atravessava pedra e lá permanecia eternamente.» Mazurek ficou de facto impressionado. Apesar de Mazurek se ter sempre inspirado na vida e na obra de Bill Dixon, ouvi-lo tocar e conhecê-lo foi uma experiência reveladora. Mazurek ficou perplexo e contente quando o seu companheiro mais velho retribuiu elogios nos bastidores, depois de o ouvir tocar com os São Paulo Underground. «Dirigiu-se a mim, deu-me um grande abraço e disse-me que o concerto tinha sido poderoso, intenso e fantástico... e a justaposição de ritmos, as estruturas densas... o som, o som... relembra, fiquei extasiado.» A recusa constante de Bill Dixon em comprometer-se, assim como a sua longa carreira no ensino – foi professor universitário no Bennington College de 1968 a 1996 – impediu-o de ter um reconhecimento tão visível quanto o dos seus colaboradores passados e contemporâneos: Archie Shepp, Cecil Taylor, Alan Silva, Paul Bley, Ornette Coleman, e John Coltrane. No início dos anos 60, Bill Dixon foi uma personalidade crucial no desenvolvimento do Jazz e da New Thing que aconteciam em Nova Iorque: em 1964 o músico estimulou e coordenou a relevante Revolução de Outubro do Jazz, acção que deu a conhecer o free jazz a um público alargado. Foi também um dos co-fundadores de Jazz Composers Guild, uma organização funcional pensada como um sindicato, dando oportunidades de desenvolvimento a músicos em voga no momento, como Paul Bley, Sun Ra e Shepp, através da promoção de discos e concertos. Bill Dixon gravou discos com Shepp e trabalhou com Taylor na obra prima Conquistador (Blue Note, 1966), enquanto que lançava o disco Intents and Purposes no mesmo ano, o que tornou claro que o músico queria ir para além do free jazz, criando um dos álbuns mais distintos e originais da história do jazz contemporâneo. Dois anos depois, retirou-se. Apesar de nunca ter parado de tocar e escrever, o ensino ocupava-o demasiado tempo deixando de tocar com regularidade em tantos concertos quanto na década anterior. O foco de Dixon, no som e na textura, foi um presságio do desenvolvimento da improvisação livre para os anos seguintes e não há dúvida que as abstracções não convencionais tocadas por trompetistas como Axel Dörner, Franz Hautzinger, Greg Kelley e Peter Evans têm origem na música de Dixon. Em 1996, o músico reformou-se de Bennington, mantendo-se em Vermont quando a sua genialidade foi finalmente reconhecida. Em 2007 recebeu o Prémio de Reconhecimento de Carreira do Festival Vision de Nova Iorque, uma homenagem lógica já que a Revolução de Outubro tinha deixado marca. Mazurek e Dixon passaram horas a falar um com o outro em Guelph. Dixon sugeriu, então, que tocassem juntos, convidando Mazurek a visitá-lo em Vermont, onde vivia com a sua mulher Sharon. Mazurek aceitou a oferta e viajou, semanas depois, até Bennington, altura em que propôs a música que hoje ouvimos no disco. Mazurek quis, então, juntar Bill Dixon, no futuro, à Exploding Star Orchestra, que tinha constituído em 2005, um grupo que reunia os mais destacados improvisadores de Chicago, para um concerto no Departamento de Assuntos Culturais. Efectivado o concerto com grande sucesso, Mazurek propôs a gravação de um disco, We Are All From Somewhere Else (Thrill Jockey). Dixon gostou da ideia, aceitando avançar, enquanto que o prestigiado Chicago Jazz Festival os convidava a apresentar o seu álbum com muita antecedência. Dixon, que nunca tinha tocado em Chicago, apesar de já se ter apresentado em concerto único com um quarteto na cidade no verão de 2007, chegou a Chicago no fim de Agosto onde realizou ensaios abertos ao público no Chicago Cultural Centre permitindo aos seus fans que navegassem no som. Destes ensaios surgiram duas músicas, uma de cada trompetista. A música de Mazurek, Constellation, foi primeiro pensada para interagir com um vídeo realizado por sete músicos de laptop, enquanto os outros músicos responderiam espontaneamente ou seriam conduzidos pelo trompetista. O vídeo forneceria ao público uma narrativa a seguir ao longo do concerto, mas, de repente, Mazurek deu-se conta de que ainda haveria luz à hora em que o concerto estava agendado. O texto lido por Damon Locks dos The Eternals foi inicialmente o manual de instruções escrito para guiar os músicos na sua interpretação do vídeo. Há duas versões distintas da música de Dixon: Second of September foi primeiro escrita e mais tarde sofreu arranjos na condução. O concerto foi gravado ao vivo sem overdubs. Tendo em conta que a discografia de Dixon é muito reduzida, é sempre positivo aumentá-la, principalmente quando esta coloca o músico num novo contexto. Dixon colaborou, anteriormente, com orquestras de média dimensão e existem muito poucos documentos que o dêem a conhecer. O novo álbum Bill Dixon with Exploding Star Orchestra (Thrill Jockey 192, 2007) junta-se, assim, a Intents and Purposes e The Enchanted Messenger (Soul Note), este um lançamento a cargo do baterista Tony Oxley, como referências fundamentais gravadas do músico. «A experiência de trabalhar com Bill Dixon neste projecto foi um momento que definiu a minha trajectória pessoal como projector de som e visão, diz Mazurek, as palavras não descrevem o poder e a beleza de Bill Dixon. Só têm de abrir a vossa vida e ouvir.»

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