11/05/2012

R.I.P. BERNARDO SASSETI

TOU PARVO.... morreu Bernardo Sasseti, ....dasse.... Bernardo da Costa Sassetti Pais morreu ontem ao cair de uma falésia na zona de Cascais, onde estaria a tirar fotografias. O corpo do pianista foi resgatado ontem à tarde, numa zona rochosa junto à Praia do Abano, no Guincho, por elementos dos Bombeiros Voluntários de Alcabideche, Polícia Marítima, Instituto de Socorros a Náufragos e INEM, durante uma operação delicada, que obrigou a descer homens recorrendo a cabos.

No local, não existiam elementos suficientes para identificar o corpo, tendo este sido conduzido para a morgue do Cemitério da Guia, em Cascais, onde deverá ser autopsiado até amanhã. Hoje, ao princípio da tarde, a família identificou o corpo. Durante a operação de resgate, as autoridades no local colocaram as hipóteses de acidente ou suicídio. O pianista e compositor nascido em Lisboa, a 24 de Junho de 1970, bisneto do Presidente da República Sidónio Pais, que foi assassinado no início do século passado, era marido da atriz Beatriz Batarda, com quem tem duas filhas, de oito e seis anos.

Formado em piano clássico, começou aos nove anos e teve Maria Fernanda Costa e António Meneres Barbosa como professores, antes de enveredar pelo jazz, área na qual viria a distinguir-se. Em 1987, inicia a carreira com o Quarteto de Carlos Martins e o Moreiras Jazztet. Músico completo O primeiro disco em nome próprio, "Salssetti", surge em 1994, seguido de "Mundos" (1996). Em 1997, com Guy Barker, grava "What Love Is", acompanhado pela Orquestra Filarmónica de Londres. Em 2002, o seu álbum "Nocturnos" venceu o Prémio Carlos Paredes. A actividade como compositor solidifica-se por esses anos, nos quais se destacam as obras "Ecos de África", "Sons do Brasil", "Fragments (Of Cinematic Illusion), "Entropé" para piano e orquestra, e "4 Movimentos Soltos" para piano, vibrafone, marimba e orquestra. É conhecida a sua colaboração com os pianistas Mário Laginha e Pedro Burmester, com quem abraçou o projecto "Três Pianos". Com Mário Laginha, gravou três CD: "Mário Laginha/Bernardo Sassetti", "Grândolas" - uma homenagem a Zeca Afonso e aos 30 anos do 25 de Abril - e "Piano a 4 Mãos"..

 Em trio de jazz, apresentava-se regularmente com Carlos Barretto e Alexandre Frazão. Os seus últimos trabalhos discográficos, "Índigo" e "Livre", para piano solo, foram aplaudidos pela crítica e considerados exemplos da sua maturidade artística. Relevante é igualmente a sua obra para cinema, arte na qual se iniciou em 1994, por via de uma composição para grupo de câmara que acompanhava, ao vivo, a projecção do filme mudo português "Os Crimes de Diogo Alves". Em 1999, a experiência repetiu-se com a partitura para orquestra para "Maria do Mar", de Leitão de Barros. Nesse mesmo ano, escreveu a música de "As Terças da Bailarina Gorda", de Jeanne Waltz, e participou na banda sonora do filme "The Talented Mr. Ripley", de Anthony Minguella, no qual surge também a tocar.

Nos anos seguintes, compôs música para os filmes "Facas e Anjos" de Eduardo Guedes (2000), "Aniversário" de Mário Barroso (2000), "O Segredo" de Leandro Ferreira (2001) e "Quaresma" de José Álvaro Morais (2003). Anos de 2010 e 2011 foram dos mais intensos da sua carreira O lado mais mediático da sua atividade em 2010/11 foi a edição do disco com Carlos do Carmo (ed. Universal) (ver vídeo) e de "Motion" com o seu trio, na Clean Feed (a apresentação ao vivo incluiu a projeção de fotografias de sua autoria).

 Mais discretas foram as colaborações nos álbuns "Palace Ghosts and Drunken Hymns", do Will Holshouser Trio, e "Madrugada", dos Peixe: Avião. Compôs para teatro ("Azul Longe nas Colinas", de Dennis Potter, numa encenação da sua mulher, Beatriz Batarda), para dança ("Uma Coisa em Forma de Assim", da Companhia Nacional de Bailado), para bebés ("Os Embalos do Bernardo") e até para o Castelo de São Jorge ("Histórias do Castelo"). Acompanhou Beatriz Batarda ao piano em recitais onde esta narra contos de Sophia de Mello Breyner; participou em "Final de Rascunho", de Sérgio Godinho, que integra uma canção com música sua.

Sassetti tocou ainda com Camané 'My Funny Valentine' na Festa do Jazz 2010 e apresentou os 3 Pianos com Mário Laginha e Pedro Burmester no Festival Med. Recebeu o Prémio Amália Rodrigues (categoria Música Popular) e o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores (categoria Melhor Canção, para 'Retrato', com letra de Mário Cláudio, do álbum com Carlos do Carmo).

 Fez ainda parte do júri da 8 1/2, a Festa do Cinema Italiano, em Lisboa. A sua actividade mais recente incluiu a participação no disco "Motor" de André Fernandes (ed. Tone of a Pitch), a escrita de um tema para o disco "Different Time" (ed. Sony) de Marta Hugon e a presença no CD "DocTetos" (ed. edição JORSOM), de António José de Barros Veloso. O pianista compôs ainda uma parte da música original para o espectáculo multimédia "Lisboa, quem és tu?", estreado a 30 de Março último no Castelo de São Jorge, em Lisboa.

Pedro Boléo, crítico de música clássica: “O Bernardo Sassetti era um daqueles músicos que se recusa a meter as coisas em gavetas. Quando olhamos para o seu percurso, vemos que não fez distinções e deu tanta importância à clássica, como ao jazz e à música popular. Basta olhar para o seu trabalho dos três pianos ou o projecto a partir do Zeca Afonso. O Bernardo Sassetti levava a sua formação clássica para dentro do jazz de forma muito criativa. E não era um purista, no sentido de que não separava as actividades, nem as músicas, nem via vantagem nenhuma em enfiar os géneros em caixas estanques.

Interessava-se verdadeiramente pela rugosidade da música, das pessoas e do mundo. Mesmo quando se tornou famoso, dentro e fora do país, manteve sempre uma disponibilidade enorme. Lembro-me de o convidar para ir à universidade onde era aluno nos anos 90 e de ele ter chegado muito à vontade, com aquela sua postura de amigo da música e de amigo dos outros. Tocou à borla, num piano qualquer e ainda ficou a conversar. Pianistas talentosos há muitos, mas com a postura do Bernardo Sassetti há certamente muito poucos.

Compôs para os outros com grande generosidade e podia tocar Bach, Zeca e Thelonious Monk todos juntos porque conhecia a fundo a sua música e, como intérprete, sabia dominá-los bem. A única coisa que queria da música era a música e sempre que compunha ou tocava, mesmo quando sentíamos ali alguma nostalgia, havia muita alegria, muito gozo.” Mário Laginha, pianista e compositor: Bernardo Sassetti era “um enorme amigo e um músico maravilhoso”. “Encaro com perda, com estupefacção.” “É uma coisa estúpida de todo.”

Marco Martins, realizador: “Era, na minha opinião, o maior compositor de música contemporânea portuguesa e um ser humano verdadeiramente extraordinário com quem se podia partilhar muitas e muitas aventuras, dentro e fora dos projectos que fazíamos juntos, e era de facto um génio impossível”. “É um momento de uma dor muito profunda e uma perda sem sentido”.

Camané, fadista: "Estou em estado de choque. Era um grande amigo. Alguém disse hoje que o Bernardo era um talento absoluto, e é exactamente isso que eu penso. Era um grande músico, um grande amigo, alguém com quem tive o prazer de trabalhar, juntamente com o Mário Laginha. Já tinha trabalhado com ele pontualmente antes, mas em 2008 fiz com o Laginha, o Sassetti e o Carlos Bica como convidado um espectáculo que se chamava “Vadio”. Era um músico extraordinário, completíssimo, dos melhores que tínhamos.

Carlos Martins, saxofonista e compositor: “Perdi um irmão. Na minha família e na dele, somos oito irmãos. Ele, para mim, era como um irmão mais novo. Estivemos 25 anos a viver juntos, a tocar música juntos, a confidenciarmos as nossas inquietações, as nossas alegrias e tristezas. A tocar música, que é o sítio mais evoluído que o planeta tem. E a partilhar uma vida que agora nos foi tirada, que lhe foi tirada a ele. É terrível a dor, o silêncio ensurdecedor que sinto à minha volta, agora. Deixa-me irrequieto, inquieto. É muito difícil perder assim um génio da música portuguesa e da música universal. As pessoas não percebem ainda quanto perderam com a morte do Bernardo.

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