02/12/2010

R.I.P. Mario Monicelli, pai da comédia italiana

No mesmo dia, três grandes nomes relacionados à sétima arte estamparam as notícias do mundo da forma mais desagradável possível. Leslie Nielsen e Irvin Kershner, Mario Monicelli.

De acordo com a agência italiana Ansa, o realizador italiano Mario Monicelli suicidou-se, aos 95 anos. Atirou-se da janela do hospital onde estava internado. Desde os anos 30 que, com um humor cáustico, ajudava os italianos a rir de si próprios

Eram nove da noite de segunda-feira e uma chuva persistente caía há horas sobre Roma. O realizador italiano Mario Monicelli, sozinho no seu quarto do hospital San Giovanni, na capital italiana, aproximou-se da janela, abriu-a e lançou-se do quinto andar. Tinha 95 anos e sofria de um tumor na próstata.

Tinha morrido aquele a que os jornais chamaram "o último grande mestre do cinema italiano", "o pai da comédia italiana", mas durante um curto período de tempo ninguém soube disso. O corpo foi encontrado na meia hora seguinte, por baixo da janela, pelo pessoal do hospital. Mantidos à distância, os jornalistas viram apenas o corpo de Monicelli coberto por um plástico branco.

A partir daí, a notícia espalhou-se na Internet. No YouTube procuravam-se excertos dos mais de 60 filmes que um dos mestres da comédia italiana fez desde o início da sua carreira, nos anos 30 - Polícia e Ladrão (1951), Gangsters Falhados (1958), O capitão Brancaleone (1966), Oh! Amigos Meus (1975), Parente É Serpente (1992), Boccaccio "70 (em 1962 realizou um dos episódios) e a sua última grande obra, Le rose del deserto (2006), além de vários filmes do popularíssimo Totò, uma das personagens emblemáticas do cinema italiano.

Em 1991, recebeu um Leão de Ouro no festival de Veneza pelo conjunto de sua obra.

Dirigiu alguns dos maiores actores da história do cinema italiano, como Marcello Mastroianni, Vittorio Gassmann e Alberto Sordi.

Nascido em 1915 na cidade de Viareggio, na Toscana, começou a trabalhar com cinema na década de 1930, como director assistente e argumentista. Em 1949, assinou o primeiro longa, "Totò Cerca Casa". Foi o início de uma longa parceria com o comediante Totò, que culminou com o sucesso internacional "Os Eternos Desconhecidos", de 1958.

Com o seu humor cáustico, quase selvagem, e a sua capacidade para mostrar a realidade do país, Monicelli foi, como escreveu ontem o jornalista Curzio Maltese, "o autor de uma gigantesca comédia humana dos italianos". Ele próprio dizia que a comédia italiana é "irónica, por vezes amarga e em alguns casos mesmo dramática, trágica".

Na noite de segunda-feira, no programa-fenómeno do momento na televisão, Viene via con me, Fabio Fazio (apresentador, com o escritor anti-Máfia Roberto Saviano) interrompia a emissão: "Não posso continuar: tenho que vos dizer que morreu Mario Monicelli. Quisemos muito que ele viesse ao programa, mas estava doente, e agora já não está entre nós." O público no estúdio despediu-se do realizador com um longo aplauso.

"Elegante, irónico"

"Se me visse obrigado a viver uma vida que não é vida, acabaria eu próprio com ela", confidenciara há anos Monicelli a Curzio Maltese, que ontem no La Repubblica lhe chamava "o Balzac do cinema". Na altura, a frase pareceu a Maltese "mais uma tomada de posição intelectual de um grande laico do que uma confissão pessoal". Monicelli tinha então 90 anos e continuava a ser "belíssimo, elegante, irónico, sempre envolvido em qualquer batalha".

Maltese percebeu que a frase tinha um sentido mais profundo. Talvez porque, como lembraram os jornais, o seu pai, o jornalista Tomaso Monicelli, também se suicidara. Mas se alguns diziam que "ninguém se suicida aos 95 anos", outros compreenderam. "Eu, que o conhecia profundamente e sabia da sua grande dignidade e do seu desejo de ser sempre independente e autónomo, posso compreendê-lo", disse o produtor Aurelio de Laurentiis, sobrinho de Dino de Laurentiis.

Todos o conheciam como um lutador. Mas muitos pensaram também como, nos últimos anos, terá sido penoso responder às solicitações dos media para fazer um comentário de cada vez que morria mais um amigo e uma figura marcante da geração que, como ele, fez o grande cinema italiano.

A última vez foi há um mês, quando morreu Dino de Laurentiis. Na altura, ao La Stampa, Monicelli dizia: "Hoje faltam cabeças assim, gente que com coragem faz o mundo avançar. Gente de enorme personalidade, de muita ignorância mas de grande cultura. Enganam-se os que pensam que a cultura é erudição. [...] Cultura significa acreditar naquilo que se faz, com verdade e abnegação. E estar disposto a tudo para o realizar."

Mario Monicelli nasceu em 1915 em Viareggio, na Toscana, e começou a fazer cinema muito novo, em 1935, aos 20 anos. Trabalhou com realizadores como Dino Risi, Luigi Comencini e Stefano Vanzina (Steno), com o qual co-dirigiu muitos dos seus primeiros filmes. E com actores como Vittorio Gassman (que em Gangsters Falhados surge pela primeira vez num papel cómico), Marcello Mastroianni, Alberto Sordi, Philippe Noiret, Monica Vitti (também ela a surpreender num papel cómico em A Rapariga da Pistola), Ornela Mutti (Romance Popular), Anna Magnani, Sophia Loren.

Com seu filme La Grande Guerra, Monicelli venceu o Leão de Ouro no Festival Internacional de Veneza de 1959 e também conseguiu sua primeira nomeação para o Oscar, na categoria Melhor Filme Estrangeiro.

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