11/12/2010

HIERONYMUS BOSCH

As opiniões mais diversas e contraditórias têm sido formuladas sobre a obra deste artista, contemporâneo de Leonardo da Vinci, que a historiografia tradicional considera como o último dos góticos.

De Hieronymus Bosch, pode dizer-se que a existência deste pintor era praticamente desconhecida ainda nas primeiras décadas do século XX. Só recentemente os historiadores e críticos, passando das simples designações de “pintor que se dedicou à pintura de assuntos estranhos” sobretudo “diabruras” e “infernos”, a análises do significado profundo daquilo que pintou.

Como consequência desta nova atitude, estudos biográficos como os de Charles de Tolnay, Ludwig von Baldass, Friedlander, G.Gluck ou Justi foram decisivos na apreciação das realizações de Bosch, demonstrando que muitas das características formais apresentadas nos seus quadros obedeciam a uma certa finalidade apologética de franca expressão interior.

Hieronymus Bosch (145?-1516) cultivou a sua arte em Bois-le-Duc, pequena região isolada da Holanda. Bois-le-Duc era a quarta cidade do ducado de Brabante e havia enriquecido através do comércio. O clima que ali se vivia, se era provincial não era no entanto desprovido de vida artística, apesar da distância que a separava de Harlém, que era na altura o mais concorrido centro artístico holandês.

Pouco se sabe sobre a sua vida. As fontes, demasiado lacónicas, não fornecem muitos elementos. Ao que parece nunca terá deixado Bois-le-Duc. Desposou Aleid Van de Mervene, uma rica proprietária, vivendo confortavelmente e decerto saboreando a independência artística.

No que diz respeito à obra, também não é possível estabelecer de maneira positiva uma evolução técnica do pintor. Toda a afirmação toca o campo da hipótese. Os seus quadros não são nunca datados e apenas cinco possuem assinatura, que foram muitas vezes plagiadas na sua grafia gótica e latina. Só nos são facultadas cerca de quarenta obras autênticas. Para dar um exemplo, o “Transporte da Cruz”, dos Museus Reais de Belas-Artes de Bruxelas, é uma obra situada por Van Puyvelde na juventude do artista, por Baldass cerca de 1480, por Tolnay no período médio e por Friedlander na maturidade. Actualmente, tende-se a procurar as fontes de inspiração nas iluminuras, nos incunábulos, nos paleotipos e nas xilogravuras.

Muitos historiadores de arte insistem hoje em dia no papel que o mundo provincial onde viveu, ainda preso às fórmulas do gótico internacional, terá tido na formação de Hieronymus Bosch. Neste mundo provincial há um elemento que não podemos desprezar na análise da obra do pintor: a importância da corrente mística na Flandres (obsessão pelo Inferno, processos de bruxaria, etc.) e em que muitos autores insistem, sobretudo depois dos estudos de Huizinga (“O declínio da Idade Média”).

E aqui surge-nos uma questão sempre posta, a da ortodoxia de Bosch: ou o artista foi cristão, ou viveu à margem da Igreja estabelecida. Ou a sua imaginação se inscreve na linha da Idade Média fantástica mas cristã, ou os seus quadros escondem aos olhos do não iniciado afirmações doutrinais de seitas esotéricas.

Ludwig von Baldass, considerado o maior conhecedor da obra boschiana, afirma: “Pelos problemas que coloca, ele está absolutamente sozinho. É o grande solitário da História da Arte. É o pintor que, através da sua arte - que está historicamente à altura da sua época - quer mais do que os outros. Não aspira a divertir, a instruir ou a educar, mas a criticar e a profetizar. Apresenta à Humanidade um espelho de duas faces.

Nele, a Humanidade vê reflectida, por um lado a sua necessidade e a sua perversidade; por outro, as consequências terríveis, no Além, resultantes dos seus pecados mortais. Nesse sentido, Bosch continua a ser um filho da Idade Média; mas, pela maneira totalmente independente nos exemplos que emprega para representar as suas concepções dentro das manifestações artísticas, ele pertence aos tempos modernos. Dessa forma, encontra-se no limite entre duas épocas”.

João Garção (Portugal, 1968). Poeta, pintor e ensaísta. Licenciado em História da Arte e mestre em História Contemporânea de Portugal pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Autarca, desempenha o cargo de vereador dos pelouros da Cultura e da Educação na Câmara Municipal de Felgueiras.

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