18/06/2010

MORREU JOSÉ SARAMAGO

José Saramago faleceu em casa na ilha de Lanzarote, Espanha, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após prolongada doença.

Prémio Nobel da Literatura em 1998, o escritor português assinou uma vasta obra editada em mais de três dezenas de países. Militante comunista, em perpétua oscilação entre a ortodoxia ideológica e o discurso desalinhado de livre-pensador, Saramago deixa para a História um trajecto tão polémico como indelével.

Na esteira do Nobel, Saramago cresce em intervenção cívica: nos anos subsequentes atacará o ímpeto imperialista dos Estados Unidos dos neoconservadores e de George W. Bush, a ocupação israelita dos territórios palestinianos, mas também as execuções, em Cuba, de opositores ao regime de Fidel Castro.

"A nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida", disse um dia o autor de "Memorial do Convento" .

Foi um funcionário do Registo Civil que justapôs à Certidão de Nascimento, como apelido, a alcunha da família Meirinho Sousa - Saramago. A míngua de dinheiro entravou-lhe o percurso no Ensino Secundário. Abraçou, então, a vida profissional como serralheiro mecânico. Foi desenhador, funcionário dos serviços de saúde e previdência, editor e tradutor. Destacou-se como crítico literário na Seara Nova e articulista político no Diário de Lisboa, entre 1972 e 1973. Em 1975, na voragem política e social da Revolução de Abril, foi director-adjunto do Diário de Notícias.

O primeiro romance, "Terra do Pecado", é editado em 1947.

Os críticos do homem e da obra apontam a Saramago uma certa soberba mal disfarçada, por vezes impositiva. O escritor Mário de Carvalho discorda: "Era muito atento aos escritores mais jovens e era um homem sem prosápia ou vaidade de grande senhor. Foi um homem a quem o sucesso nunca subiu à cabeça, portou-se com a mesma modéstia e elevação de sempre. Porventura o nosso maior escritor do século XX, que tem a particularidade de ser um século mais rico no tocante ao romance português".

Em inúmeras ocasiões, Saramago tinha pedido um debate profundo sobre o sistema democrático, convencido como estava de que o verdadeiro poder não reside nos governos e sim nas multinacionais. "Falar de democracia é uma falácia", costumava dizer.

"Saramago vai durar o que durar a literatura portuguesa". A frase, da autoria do escritor Mário Cláudio, uma das personalidades ouvidas pela agência Lusa após a notícia da morte de José Saramago, poderia servir de epitáfio no momento em que o país perde um dos seus mais prolífico e aclamados autores. Perde, também, uma voz directa e polémica, por vezes incompreendido, capaz, ao mesmo tempo, da mais pungente ternura e do mais áspero golpe. Firme na fidelidade ao comunismo, mesmo quando as práticas dos regimes lhe feriam o humanismo, nunca hesitou em questionar os dogmas religiosos, nos parágrafos que redigiu e nas palavras que escolheu para o espaço público. Em Novembro de 2005, numa entrevista ao jornalista Adelino Gomes, nas páginas do jornal Público, o escritor fazia a síntese do seu conceito do Mundo. "O universo não tem notícia da nossa existência". E "a finitude é o destino de tudo".

O corpo de José Saramago vai ser cremado em Lisboa, onde chega amanhã para as cerimónias fúnebres do Nobel da Literatura. O Governo português decidiu que sábado e domingo são dias de luto nacional para demonstrar o pesar pela morte de José Saramago. A morte do Prémio Nobel da Literatura, aos 87 anos, suscitou reacções dos sectores político e cultural, em países de expressão portuguesa e espanhola.

É em 1991 que José Saramago publica a mais polémica das suas obras. "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", uma leitura desmistificada da vida do messias, levá-lo-ia, dois anos mais tarde, a deixar o país e a rumar para Lanzarote, nas Canárias. António Sousa Lara, então subsecretário de Estado da Cultura no Executivo social-democrata de Cavaco Silva, travou a candidatura do romance a uma distinção literária internacional, à luz do argumento de que o conteúdo da obra era "ofensivo" para os católicos. A "reconciliação" com o Estado português chegaria em Abril de 2004 na forma de um almoço com Durão Barroso. Sousa Lara nunca aceitou a trégua, garantindo que tornaria, hoje como ontem, a vetar o livro: "O que me chateia mais na política é a indefinição de fronteiras, gosto mais da política com fronteiras, com clivagens e opções de escolha claras, mas pelos vistos isto está fora de moda".

A par dos prémios literários, José Saramago coleccionou doutoramentos Honoris Causa atribuídos por diferentes universidades da Europa.Aquando do doutoramento Honoris Causa pela Universidade Autónoma de Madrid, dirá: "Eu, no fundo, não invento nada. Sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e a pôr à vista o que está bor baixo. Não é minha culpa se de vez em quando me saem monstros".

"Foi um homem que afirmou a sua criação literária através da liberdade de pensamento" e com uma "força crítica e de auto-crítica", destaca a ministra da Cultura, que vai num C-295 do Governo português recolher o corpo de José Saramago a Lanzarote. Além da ministra, viajam no avião militar familiares de José Saramago.

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