01/07/2009

Pina Bausch: um festival de dança-teatro

"O mais importante é a vida. O que importa é partilharmos o que estamos a sentir, aquilo de que temos medo, o que desejamos." É desta matéria que se fazem as criações de Pina Bausch. A primeira vez que se apresentou nos Estados Unidos, na década de 80, a crítica da "The New Yorker" caracterizou a sua dança como "pornografia da dor", referindo-se "ao acto da brutalização e humilhação" tratado nas suas peças - são desta fase obras emblemáticas como A Sagração da Primavera, Café Müller, Kontakthof, Nelken ou Viktor, entre outras. Pina Bausch fazia muitas digressões, mas nunca abandonou Wuppertal, uma pequena cidade não muito cativante na região mais industrializada da Alemanha. Essa sua vida rotineira, a par da extrema timidez que a caracterizava, leva Paulo Ribeiro a pensar em Fernando Pessoa. Mas, ao contrário do poeta, Bausch ainda viveu o suficiente para ver reconhecida a qualidade do seu trabalho. Nos coreógrafos da geração de Pina Bausch, Ribeiro não vê ninguém que tenha operado uma ruptura tão forte. No entanto, se os estranhos e incómodos trabalhos de Bausch chocaram um mundo que, nos anos 70, vivia uma época de razoável optimismo, já a sua obra mais recente – produzida num tempo francamente depressivo – mostra uma coreógrafa mais suavizada, autora de peças de grande beleza e dimensão lírica. “E até mais convencionais”, sugere Paulo Ribeiro, notando que Bausch “trabalhou sempre em contraciclo”. Sabia mostrar a violência e o conflito com o mesmo rigor e intensidade com que dava a ver um gesto terno e subtil. Era sempre absoluta, mesmo quando não parecia. Era muito tímida,detestava conferencias de imprensa, não aparecia em entrevistas televisivas, mas gostava de Portugal, da luz de Lisboa, e dos portugueses de Cabo Verde, adorava fado e a fadista Amalia. Estava sempre presente nos espéctaculos, no processo de criação era muito solitária, e não queria ninguém no estudio, a excepção foi quando apareceu a Amália, para a cumprimentar, e todos pararam. Não gostava de falar das suas obras.Foi uma morte não anunciada. Em Portugal, apresentou-se pela primeira vez em 1989, nos Encontros Acarte, com "Auf dem Gebirge hat man ein Geschrei gehört" (Ouviu-se um grito vindo dos montes). Regressou em 1994, quando Lisboa foi Capital da Cultura, com "Café Müller", "A Sagração da Primavera", "Kontakthof", "1980" e "Viktor". Em 1998, na Expo, Mega Ferreira convidou-a a realizar uma residência artística, que acabaria por culminar com a criação de uma peça sobre Lisboa, "Masurca Fogo". Voltou ainda várias vezes a Portugal: em 2003 trouxe "Água", em 2005 apresentou "Nelken" (Cravos) e "Ten Chi", e em 2007 levou ao Teatro Camões a peça "For the Children of Yesterday and Tomorrow". A atenção que a coreógrafa sempre dispensou ao público português foi retribuída em 2008 com a realização de um Festival Pina Bausch, co-organizado pelo Centro Cultural de Belém e pelo Teatro S. Luiz, que deu a ver "Nefés" e permitiu rever – se o verbo pode aplicar-se aos work in progress de Bausch – "Masurca Fogo" e "Café Müller". Como todas as figuras absolutamente singulares, Pina Bausch resiste às definições. Mas Fellini, que lhe deu um papel em "O Navio", deixou-nos uma bela tentativa: “Uma monja com um gelado, uma santa com patins, um rosto de rainha no exílio, de fundadora de ordem religiosa, de juíza de um tribunal metafísico, que de repente nos pisca o olho...”

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