Vinícius Cantuária (Manaus, 29 de Abril de 1951) é cantor e compositor brasileiro. Vinicius Cantuária gosta de andar descalço. Um traço que conserva, talvez, da infância vivida em Manaus, quando corria para empinar as pipas (papagaios, lá) que fazia com zelo de artesão, quase sempre com a estrela solitária do Botafogo - paixão que rivaliza em importância com a música em sua vida. Também gosta de afirmar o sangue amazonense ao chamar a si mesmo como índio.
Por exemplo, diz que, musicalmente, sua chegada ao Rio foi como se o índio ("Fui formado pelas percussões do Amazonas e pelas harmonias do caboclo que morava na minha rua e que punha a cadeira na porta de sua casa para tocar seu violão, de forma simples") encontrasse a África (o samba, os batuques dos negros cariocas). Mas um índio que, sem negar o deslumbre, não se deixava intimidar por estar numa selva que não era, originalmente, a dele - fosse o Rio da geração 80 do rock, fosse o ambiente jazz/pop/experimental de Nova York, onde vive há mais de 15 anos, "Lembro de ter essa consciência muito grande quando toquei no Queen Elizabeth Hall, em Londres, com a Laurie Anderson. Estava fazendo um solo de "Ligia", de Tom Jobim, e quando olhei em volta me senti o índio no apartamento, que saiu de uma selva para entrar em outra, levando a sua flecha envenenada - conta o artista.
A flecha envenenada. Foi com ela que Vinicius chegou ao Rio, com 7, 8 anos, no final dos anos 1950 - ele nasceu em 1951 - e conheceu a bossa nova e o rock ("Estudava no Zacarias, no Flamengo, e voltava correndo para casa para ouvir o 'Música nas Passarelas', na Rádio Tamoio, onde escutou Beatles pela primeira vez). Aos 12 anos forma o seu primeiro grupo com amigos do colégio, Os Medievais, onde actua como baterista. No fim dos anos 60 integra os grupos de rock progressivo, A Banda Atómica, e o O Terço, que participa do Festival Internacional da Canção. Desliga-se do Terço em 1972, e passa a trabalhar com Jorge Mautner, Luiz Melodia, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Marcos Valle, Marina Lima, João Donato, e Ronaldo Bastos.
No meio daquela coisa dos anos 1980, do rock brasileiro, lancei dois discos cheios de Donatos, Chicos, Marcos Valles, Morelenbaums, Flávios Venturinis... Ouvia rock, vi Pink Floyd ao vivo em 1971, na primeira viagem que fiz para fora, tocando com Marcos Valle, o Jorge Amidem (guitarrista do Terço) vinha com uns discos do Traffic... Mas o meu violão sempre teve o Norte presente. O primeiro disco a solo vem em 1983, "Vinícius Cantuária", com destaque para "Coisa Linda". Entre as suas composições, Só Você, e "Na Canção", da primeira metade dos anos 80, que depois foi gravada por vários artistas, e na voz de Fábio Júnior e Fagner.
Outro sucesso é do início da mesma década: Lua e Estrela, gravada na voz de Caetano Veloso (foi num disco de Caetano, Outras Palavras, que deu nas vistas como compositor, com o tema Lua e Estrela) de cuja banda de turné, a Outra Banda da Terra, fez parte. Essa música também foi gravada por Gilberto Gil em inglês em um disco seu para o mercado norte americano. Depois de outros três LPs, excursiona com Chico Buarque por diversos países, na turné do disco "Francisco".
Em 1989 grava um disco em Portugal, e passa quase um ano fazendo shows por cá. "Abri mão da minha carreira no Brasil e fui para Nova York movido por algo que não sabia o que era, mas logo descobri: fui para ser mais brasileiro" Arto Lindsay, que ele conhecera na época da Outra Banda da Terra, foi o primeiro a convidá-lo. Estava gravando um disco para o selo de Ryuichi Sakamoto e propôs uma parceria. Fizeram cinco. Dali, Sakamoto convidou-o para fazer um CD seu, "Sol na cara", em 1996. O disco, que teve boa recepção de crítica, foi o primeiro de uma série de dez que lançou desde então, exclusivamente para o mercado estrangeiro, com excepção de "Tucumã", de 1999.
Nos anos 90, mudou-se para Nova Iorque para, como explicou, "fazer música tradicional do Brasil, no sentido das harmonias e dos ritmos, procurando abri-la à contemporaneidade", Sol na Cara, 1996, foi produzido por Arto Lindsay, e Tucumã (1999), Horse and Fish (2004) ou Cymbals (2007) são alguns dos discos mais famosos desta fase da sua carreira - aproximou-se da música electrónica, promovendo um casamento entre a bossa nova e a jungle music- até hoje, ele assume-se como um brasileiro em viagem.
Em 2003, Vinicius lançou pela Nonesuch o álbum We Are Everywhere - integrando o grupo Intercontinental Quartet. Ao lado de Bill Frisell, líder do grupo e compositor da maioria das faixas do disco, Cantuária toca guitarra, violão, percussão e canta (incluindo uma versão, em português mesmo, de Procissão, de Gilberto Gil). Além do americano Frisell, o grego Christos Govetas e o africano Sidiki Camara completavam a formação.
O álbum de título, Samba Carioca, 2010 «O samba é um pais, uma imensidão, com várias tribos e raízes, tem samba do morro, samba dos brancos, chorinho, samba jazz e por ai vai», explica que trabalhou entre o Brasil e os Estados Unidos, recolhendo, tanto a sul como a norte, aliados importantes: as lendas vivas Marcos Valle ou João Donato, no Brasil, e os não menos importantes Bill Frisell ou Brad Mehldau, nos Estados Unidos, "Este disco pega uma ideia antiga, dos trios de piano, baixo e bateria que, nos anos 70, interpretavam em bares standards de jazz", explicou o músico.
Já "Lágrimas mexicanas" é um projeto antigo que tem com Frisell, com quem toca desde 1998. Entre as cerca de 20 músicas que constaram no alinhamento do concerto no Teatro S. Luiz, em 2010, meia dúzia foi partilhada com o pianista português, Mario Laginha( são admiradores mútuos). "Tocamos temas meus e dois clássicos de Tom Jobim, porque eu queria muito saber como é que o piano português iria ficar na bossa nova." O contrário também aconteceu e Vinicius Cantuária cantaram Lua Partida ao Meio, tema que Laginha fez com Maria João, que na versão original imitava o sotaque brasileiro para cantar "se eu fosse muito guloso, comia essa lua em forma de queijo".
Aos sete anos de idade, sua família deixou Manaus rumo ao Rio de Janeiro. Como compositor, cantor, guitarrista e percussionista, sua carreira liga várias frentes da música popular brasileira. Para se ter uma ideia melhor do mundo sonoro de Cantuária,tornou-se um artista internacional requisitado, passando metade de seu tempo pelos palcos do mundo,tem residência fixa em Nova York. Adepto fanático de futebol, o seu clube de coração é o Botafogo. Casou-se com a inglesa Claire Bower.
"Sempre trabalhei com músicos incríveis. Chego bem nessas pessoas, um tanto pela minha música, mas também pelo meu jeito de me relacionar - avalia o compositor. - Caetano, por exemplo, dava muita liberdade para que nos manifestássemos, e sempre gostei de fazer isso, acho que faço bem. Fui eu que sugeri que ele chamasse Sergio Dias para tocar em "Terra". A parceria com Chico passava por bater papo, jogar bola e, no meio daquilo, fazer música. Tento abrir o jogo, como no futebol. O amigo Arnaldo Brandão, que o chamou para A Outra Banda da Terra, aponta traços da personalidade de Vinicius (o seu veneno?) que ajudam a entender como ele entra sem cerimonia nos círculos musicais. - Apesar de ser amazonense, Vinicius tem uma malandragem carioca, no jeito de jogar futebol, que joga muito bem, e no humor.
Um humor ácido, corrosivo, uma maneira muito engraçada de falar mal de tudo e de todo mundo. Sempre que me encontro com ele, rio muito. E é um grande compositor e excelente baterista também, com soluções muito criativas, apesar da pouca técnica. Vinicius passa metade do ano viajando por palcos do mundo ("Entre os meus shows, e outros nos quais vou como músico, são uns 60 por ano").
Nas viagens, aproveita ao máximo para alimentar a velha paixão que traz desde a infância em Manaus. Conviveu com muitos artistas, profissionalmente e pessoalmente, e teve a sensibilidade de ficar atento e aprender muita coisa. Daí, procurou o seu próprio caminho. A lista de artistas com quem trabalhou nos últimos anos inclui ainda nomes como David Byrne, Sean Lennon e Brian Eno.
Marcos Valle vê nessas parcerias de Vinicius algo fundamental para seu estilo "a forma tranquila na composição, o seu violão e no seu cantar, com espaço e pausas para os silêncios tão necessários à música, dá uma cadência bem pessoal ao seu balanço" .
Originalmente um percussionista, Vinicius nunca esquece o ritmo nos seus concertos, mas nada é abertamente declarado, preferindo o cantor, compositor e músico optar pela subtileza em detrimento da força.
Normalmente, Vinicius apresenta-se em pequenos ensembles que favorecem a intimidade e lhe permitem estudar ao pormenor as marcas clássicas da bossa em que gosta de insuflar a modernidade que só se pode mesmo aprender em Nova Iorque no diálogo com músicos de diversas áreas. Esse saber é particularmente utilizado em palco, onde Vinicius é um mestre de delicadeza e melodia.
HAPPY BIRTHDAY