06/02/2012

FERNANDO LANHAS

Fernando Lanhas
Arquitecto e artista plástico, 79 anos
«Sabemos ver mas não sabemos entender. Não compreendemos nada»
A minha ideia fundamental é não entender as coisas. Temos mais bagagem somada de conhecimentos, mas também somos mais exigentes nas respostas. Sabemos ver, mas não sabemos entender. Não compreendemos nada e cada vez é maior a dúvida de todas as coisas. Os livros só dizem como são as coisas. Têm duas folhas, uma está escrita, a outra não está. Se estivesse, então sim, seriam uma enciclopédia excepcional.

Ao longo da vida tenho aprendido que muitas coisas não são como julgava que eram. Agora até se discute o Big Bang. Afinal o Big Bang deve ser uma continuação. Numa das minhas monografias já estou a criar um lugar para trás do Big Bang.
Há um instrumento em uso nas aldeias, que é a vara de boi. Algumas pessoas nascem com essa vara de boi e assim vivem. Isso é interessante, mas não nos larga. Estamos constantemente espicaçados a querer dar explicação às coisas que vemos continuamente. E as que não vemos. Tenho a certeza da existência de vida noutros planetas. Não no nosso sistema solar. Talvez até não seja na estrela mais próxima.

Deve ser uma coisa frequentíssima. Talvez possuam alguns processos precisos de defesa e a vida poderá ter uma seta de continuação como a nossa. Como a existência não é eterna, nós substituímo-nos, porque a vida animal é efémera. Por isso temos de andar sempre a aprender a mesma coisa. Dá muito trabalho. Daqui a uns anos vou desaparecer do mundo dos vivos, e ainda bem. Os outros que agora estão a nascer têm de aprender outra vez todo este encadeado de perguntas do que se sabe, ou não se sabe, ou o que não se pode concluir, porque não há modo de saber. Têm de descobrir outra vez todo o caminho. Aí é que está o embaraço da humanidade, nesta permanente relação entre vida e morte. O fenómeno da morte é algo de curioso. Há seres que praticamente não morrem. Isso passa-se mais ao nível do vegetal.

A bactéria parte-se em duas e em relação a cada uma a ideia é: o que era? Mas isto continua sempre. Se disséssemos que a bactéria que hoje vemos ainda é a mesma que existiu há milhares de milhões de anos, não estávamos a mentir. Se alguém soubesse tudo o que se sabe... mas não há ninguém. Está tudo parcelado. Não sei o que seria uma pessoa saber tudo o que se sabe. Esse é que seria um grande filósofo. É isso que eu tenho procurado. Só a matemática dos matemáticos é que se entende. É uma matemática talvez inventada. Porque alguma matemática vem da observação e traduz-se em números.

A filosofia dos números é um templo onde não consigo entrar, porque a matemática bate certo e existe. Tudo o resto não existe. As perguntas na matemática são só perguntas matemáticas. A matemática responde a algumas perguntas, mas com números, não com imagens ou ideias.

Aos cinco anos já registava os sonhos. Pedia à minha irmã para os escrever. Passados uns anos, quando já sabia escrever, passei-os a limpo. Sonho todas as noites, como toda a gente. Às vezes registo-os. Terei uns 700 ou 800 passados à máquina. Acho os sonhos uma coisa interessantíssima. Não são inventados. São uma continuação de nós. Tenho alguns que não compreendo. Não parecem sonhados por gente. Não os tento interpretar. Hoje em dia estou a pensar fazer um mapa dos sonhos, porque os que tive numa certa idade, deixei de os ter, como os de levitação. Levitei muito, durante anos. Aprendi a levitar-me. Era doloroso. Ficava cansado, mas aprendi. Sei como é que começava a levitar-me. Tudo isto em sonho.

Não sou um artista rápido a encontrar soluções formidáveis, interessantes, inesperadas. Nem acho graça a esse modo de ser, mas gosto de ver esses artistas que são assim, quase inocentes, sem crítica. Que são artistas porque a mão os leva a ser artistas, o que é uma coisa que não entendo. O meu trabalho é totalmente intelectualizado, autocriticado. Sei muito bem o que estou a fazer. Divirto-me a ver arte que se serve do insólito, do procurado de outra maneira. A arte não vai ficar assim, tal como o homem, que, julgo, vai dar qualquer coisa de diferente. Preciso que me respondam. Isso é que é importante para mim. Leio muito. Todos os dias leio e estudo. Mas não sei. E as pessoas que lêem também não sabem. Dizem apenas o que se passa. Limitam-se a dizer porquê. Uns apontam melhor as coisas e quase as entendem. Mas entender não é uma resposta. Entender é o modo como elas acontecem. Muitas vezes parece que não temos direito de fazer certas perguntas. Porque não estamos preparados para entender a resposta. As religiões são apenas um modo cómodo para cobrir essa falta de respostas.

Na minha biblioteca tenho muita coisa sobre religiões não cristãs. O homem sempre tentou resolver as coisas. Não inventou. Foi somando aquilo que uns pensavam e outros também pensavam. Somou, somou, e fomos chegando a conclusões. As perguntas sobre um deus, sobre um criador, têm que ser postas. No entanto, são perguntas modernas, porque durante milhares de milhões de anos nunca foram colocadas. Só nós é que as pusemos, porque ascendemos à nossa posição de homem inteligente na pergunta. As perguntas às vezes são inteligentes, mas também essa deve ser a única coisa que sabemos fazer. As religiões não fazem parte das minhas preocupações. A existência de um deus, de um criador, é algo de muito íntimo.

Cada um de nós tem a sua preocupação. O não acreditar naquilo que me dizem, naquilo que leio, naquilo que observo, naquilo que estudo, foi uma aprendizagem que tive na vida, e foi agora. Uma das minhas mais antigas memórias é a da chuva de estrelas, em 1933, quando tinha 10 anos. Tenho-a retratada. Uma das minhas primeiras lembranças é de ouvir correr a água, na aldeia. Teria seis anos. Nos meus sete anos passava as tardes a ver as formigas passarem nos carreiros. Vi-as tocarem-se e não sabia o que era. Só há poucos anos soube. É um acerto de informação e identificação.

Há perguntas que me emocionam, como artista. Uma vez vi dois quadros de Van Gogh em Paris. Nunca tinha visto nenhum directamente. Fiquei espantado, porque os quadros são feitos à mão. Achei notável e gostei imenso. Ouço uma sinfonia e posso ficar perturbado. O Brahms sabia fazer uma coisa muito curiosa. Conduzia a composição de forma a atingir um certo clima no ouvinte. Sabia dirigir as emoções. O Beethoven não tinha essa preocupação. Não entendo as coisas, mas penso muito.

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