03/06/2010

LOUISE BOURGEOIS -TATE GALLERY 2008


Palavras dela: "Fui ao Inferno e voltei e, deixem-me que vos diga, foi maravilhoso." A artista plástica Louise Bourgeois morreu em Nova Iorque.

Um portento de pouco mais de um metro e meio de altura vindo lá de trás, do arranque do século XX, a atravessar a história do mundo contemporâneo para chegar até nós, ao novo milénio, com a pujança de um colosso sem tempo.

O caminho todo. E, depois, o fim da viagem - a mulher-aranha recolheu-se na sua teia de memórias e fechou os olhos: a artista plástica Louise Bourgeois morreu no Beth Israel Medical Center, em Manhattan, segundo anunciado ao princípio da tarde de Nova Iorque por Wendy Williams, directora do Louise Bourgeois Studio. Bourgeois faria 99 anos a 25 de Dezembro.

Nascida em Paris em 1911, inicia o seu trabalho artístico em 1938, no contexto da Segunda Guerra Mundial, mas a sua primeira exposição individual data de 1945 em Nova Iorque, cidade onde se fixa em permanência com a família entretanto estruturada (três filhos com o Historiador de Arte Robert Goldwater). Em 1966 posiciona-se definitivamente fora do determinismo modernista dos movimentos artísticos e participa da exposição “Eccentric Abstraction” de Lucy Lippard, ao lado de Bruce Nauman ou Eve Hesse, nos anos áureos do Minimalismo hard-edge. O MoMA foi o lugar da sua consagração em 1982, data histórica em que o museu realiza a primeira retrospectiva dedicada a uma mulher artista. Na abertura da Tate Modern (2000), a artista ocupa o espaço experimental Turbine Hall com a instalação “I Do, I Undo, I Redo”, cujo elemento protagonista era a monumental “Mamam” que hoje surpreende e desafia no exterior do mesmo edifício.

As pinturas, esculturas (de pequeno formato ou escala monumental), desenhos, instalações, maquetas e objectos traduzem uma iconografia híbrida, muitas vezes no limiar de um imaginário surrealista.

Colocando as experiências da identidade, da ansiedade, da histeria, da agressão, da claustrofobia, do controlo, da depressão, da destruição, da tensão, da sexualidade, do perigo e do pânico, na génese e ao serviço do pensamento plástico, ganhou um lugar de destaque (objecto de homenagens variadas) nos desenvolvimentos do campo da teoria psicanalítica feminista.


É a mulher, ela própria, o fundamento da gramática discernível na primeira sala de exposição. “Femme Maison” é uma série de pinturas figurativas e metafóricas que reflectem sobre identidade e condição de género dentro da complexidade modernista e vertical da cidade em explosão.

Tornadas arquitecturas totémicas, as esculturas “Personages” das décadas de 40 e 50, celebram a abstracção antropomórfica que a linguagem anterior não contém.

É também no espaço e do espaço que brotam as esculturas em gesso e látex do período seguinte. Viscerais, primitivos, orgânicos e disformes, os corpos em metamorfose parecem libertar-se, fluidos, a partir de fissuras e orifícios subterrâneos. O carácter carnal, físico, explícito e ameaçador destes trabalhos tem o seu expoente máximo em “The destruction of the father” (1974), instalação celebratória da fantasia infantil omnipresente de devorar e consumir o pai infiel num refeição-ritual canibalístico-familiar. Mais referenciais e controladas, as esculturas de mármore reforçam o carácter sexual das anteriores. Falos, vulvas, torsos hermafroditas, reconfiguram uma linguagem escultórica híbrida materialmente classicizante.


As celas e os quartos são o apogeu narrativo do pensamento plástico de Bourgeois. A mudança de atelier possibilita-lhe passar a projectar em grande escala e conciliar a compulsão coleccionista que caracteriza as instalações-cenários-precários, jaulas espiraladas da discórdia familiar.

Os interiores, não acessíveis, permitem-se entrever através de pequenas aberturas-convite à participação voyerística do espectador. Assombrosos e claustrofóbicos, encontram-se repletos de intrigantes objectos, encontrados ou fabricados, metafóricos e simbólicos, que projectam nas condições da sua integração cirúrgica e neurótica o sofrimento inerente às relações de intimidade.


Os trabalhos mais recentes confirmam a recorrência do recurso à memória de infância. A crescente importância do tecido, matéria-prima da empresa familiar de restauro de tapeçaria, do cozer, do costurar e do bordar, traduz uma aparente domesticação dos sentimentos não confirmada no patchwork exercido, a ponto cru, sobre cabeças mutiladas, reconstruídas e expostas em vitrines.

LOUISE BOURGEOIS - TATE MODERN

Lígia Afonso- arte capital.net

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