18/09/2009

Os sinais do que ai vem

Não foi assim há tanto tempo que os álbuns eram vistos como manifestos artísticos sem relevância comercial ou como colecções avulsas de canções - dois singles mais dez músicas para encher a duração, editados para capitalizar no sucesso do seu autor. Nesse tempo os singles dominavam a indústria. Pois, esse tempo longínquo começa a parecer-se com o presente. As bandas continuam a editar álbuns mas são cada vez menos os que os ouvem na totalidade. Ouvem-se canções, acumulam-se milhares delas no disco rígido ou em leitores de mp3. Recentemente, os Radiohead declararam que deixarão de editar álbuns, concentrando-se em singles ou EPs. Num artigo publicado em 2007 pela revista "Wired", David Byrne resumia as funções tradicionais de uma editora: "financiar sessões de gravação; fabricar o produto; distribuir o produto; comercializar o produto; emprestar e avançar dinheiro para despesas (digressões, vídeos, maquilhagem); aconselhar e guiar os artistas nas suas carreiras e gravações; assumir a contabilidade". Byrne apresentava a lista para tornar mais cristalina uma conclusão óbvia: a maioria destas funções pode ser assegurada pelos músicos sem grande investimento, donde o equilíbrio de forças começa forçosamente a ser alterado. Quando é possível gravar num estúdio caseiro em altíssima fidelidade, quando fabricar e distribuir música, num mundo digital, tem custos próximos do zero, quando as digressões não servem para promover discos (acontece precisamente o contrário), muitos preferem construir ou seguir carreira de forma independente, retendo todos os direitos sobre as suas obras e utilizando as editoras como plataformas de distribuição. David Byrne fê-lo no último disco, "Everything That Happens Will Happen Today", gravado com Brian Eno. . Os downloads de toques de telemóvel, de músicas inteiras, de videoclips ou de concertos são balões de oxigénio para uma indústria em crise profunda. O cinema 3D a transportar a experiência do concerto para uma sala de cinema (os U2 inauguraram a experiência em 2007 com "U2 3D"). Os Nine Inch Nails a gravar um álbum "Year Zero", que se expandiu, de forma aprovada e desejada pela banda, para jogo de computador. Outros jogos, como "Rock Band", "Guitar Hero" ou "DJ Hero" (karaokes com instrumentos de brincar), a funcionar como nova e poderosa plataforma de divulgação musical, e algo como "Beaterator", outro jogo, a possibilitar que qualquer criança, com um comando de consola na mão, possa transformar-se no Timbaland que dá cara e sons à coisa. No mundo da pop, já lá vai o tempo em que o mistério fazia parte da equação. Hoje, sabemos tudo sobre os músicos, tudo sobre as bandas. Vemo-los expostos como pretendem nos DVDs ou nos "sites", vemo-los como eles não quereriam em vídeos disponibilizados no YouTube por amadores. Quando os Radiohead editaram "In Rainbows" (2007), disponibilizaram-no online, oferecendo ao público a possibilidade de escolher o preço que quisesse pagar. Explicaram que não a estavam a desvalorizar a música, antes a pedir que lhe dessem um valor. E qual é, realmente, o seu valor? O público que decida, disseram os Radiohead, disse Prince ou disse Girl Talk, alter-ego do produtor e mestre do "mash-up" Gregg Gillis, que seguiu o mesmo procedimento para "Feed The Animals", álbum de 2008. Mais: neste momento, surgem plataformas em que cabe ao público escolher quem querem pagar para ouvir. Numa delas, o Sellaband, estão inscritos milhares de bandas em que qualquer um pode investir. Quando as contribuições atingem os 50 mil dólares, o site disponibiliza o estúdio e distribui o CD. Os "investidores", para além de receberem o disco em casa, terão depois direito a uma parte dos lucros. Um mecanismo semelhante ao utilizado pelos alemães Einsturzende Neubauten. "Alles Wieder Offen", editado em 2007, foi financiado pelos fãs inscritos na comunidade online neubauten.org. Mário Lopes, in Publico

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