18/07/2009

Orphée et Eurydice de Marie Chouinard

No fim de semana anterior fui ver uma das peças mais elegantes e excessivas da coreografa canadiana Marie Chouinard, hoje aclamada internacionalmente.O ciclo Dancem!09,um convite aberto para escutar a multidão de vozes destes corpos que não param de falar de si e do mundo,este ano, tal como em 1997,deu carta branca a Paulo Ribeiro, o coreógrafo, bailarino, director da Companhia Paulo Ribeiro e do Teatro Viriato em Viseu. Paraíso e Inferno numa sequência de Olga Roriz, Pitié! de Alain Platel com música de Fabrizio Cassol baseada em "A Paixão Segundo São Mateus" de Bach, uma trilogia - Le Jardin, Le Salon e Le Sous Sol - sobre o envelhecimento e a família, com criação e interpretação de Gabriela Carrizo, Franck Chartier, Samuel Lefeuvre, Simon Versnel,com produção de Peeping Tom (Bruxelas),duas peças de Philippe Decouflé,Sombreros,e Solo,uma versão de Orfeu e Eurídice com coreografia de Marie Chouinard, Story Case de Né Barros, foram danças que passaram pelo Porto. O inicio foi Dancem! 1996, dos DV8 a Clara Andermatt, de Gilles Jobin a Francisco Camacho, de Martine Pisani a La Ribot, de Fattoumi & Lamoureux a Tiago Guedes, muitos foram os criadores que entre 1996 e 2009, com intermitências várias,ajudaram a compor um retrato em fuga desta arte conflituosa, na encruzilhada das suas múltiplas referências. Deus não disse, mas o poeta Herberto Helder não se intimidou: “Ponham muito alto a música e que eu dance”. Fascinada pelo corpo e as suas manifestações mais íntimas e secretas, a coreógrafa de referência mundial, Marie Chouinard concebeu uma “dança exploratória, que ousa a devassidão do corpo, o excesso próximo da loucura, retratada por intérpretes de um empenhamento total. Orfeu e Eurídice é uma obra vigorosa, excessiva, habitada por vagas de humor. Corpos possuídos por forças subterrâneas, que surgem através deles, num universo sinistro e surreal, onde o grotesco rivaliza com a beleza do deus grego do amor, Eros. Demoníaca, esta peça expõe as fontes viscerais da criação. As respirações, os gritos, as vogais e as consoantes são arrancadas do orgânico, extirpadas das profundezas do corpo, como se fossem uma infra-língua. Não se trata de um mito sobre o amor. Não se trata de apenas uma Eurídice e um Orpheu, mas vários, múltiplos em número e género. Orfeu e Eurídice oscila entre a harmonia e o cortar do fôlego, a comédia e a crueldade, as pulsações vitais da vida são aparentes nos corpos possuídos. Explora o corpo como ele proprio fosse a narrativa.A linguagem discursiva e obssessiva na disposição dos corpos na sua relação com o espaço.Fez desfilar pelo palco um conjunto de bizarrias e amoralidades sob a forma de corpos nús, livres e crentes na capacidade de se olharem para além do impacto das imagens.Mais do que sensual é uma peça que explora o teor sexual do mito devolvendo-lhe a carne que o romantismo efabulou. Faz-nos descer até ao centro da perversão, arrisca partir do interdito em vez de ambicionar chegar até ele, e separa os dois amantes não porque o amor entre eles falhou por quebra da promessa aos deuses, mas porque a bem da verdade, o verdadeiro gozo está no pecado. Exibicionista e provocadora a peça estálonge da elegancia da versão de Pina Bausch de 1975.Enquanto Pina criava através da sua linguagem expressionista, Marie rasga literalmente a cena e arraste o espectador para o centro da acção, tornando-o cúmplice do gesto. As composições de Marie Chouinard são dificeis de defenir na sua dimensão coreográfica,propõem uma outra concepção do corpo mais proxima do risco.

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