02/05/2009

Alain Buffard

"(Not) A love song", hoje e domingo no CCB, é o caso que o coreógrafo francês quis ter com a memória do cinema musical, com as velhas "stars" do mudo e as canções da vida dele.Buffard trabalhou a partir de um texto teatral, "Orquídeas a La Luz de La Luna", do mexicano Carlos Fuentes. Há uma altura na vida em que um homem tem de fazer o que um homem tem de fazer e Alain Buffard (Morez, 1960) tinha de fazer isto: um ajuste de contas com a memória do cinema musical, com as velhas "stars" do mudo e com as canções da vida dele (do tipo Nina Simone, Velvet Underground, Chavela Vargas, Kurt Weill: podem não ser os "standards" mais evidentes, mas são os "standards" que estiveram sempre ao lado dele, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença). "(Not) A Love Song", o espectáculo que o coreógrafo francês fez com essa tralha toda - e com Vera Mantero, Claudia Triozzi e Miguel Gutierrez, que cantam e dançam como num grandioso musical do tempo em que o cinema era realmente a cores, apesar de isto ser a preto e branco - é Alain Buffard a dizer que sabe o que aconteceu a Baby Jane, e também a Norma Desmond, Margo Channing, Elisabeth Vogler, Veronika Voss, Dolores del Rio e Maria Félix. Podia ter sido uma tragédia, e é - mas em grande estilo.

Tinha de começar por algum lado, e essa peça em que sabemos o que aconteceu a duas actrizes de carne e osso que pensavam que teriam sempre Hollywood mas não tiveram, Dolores del Río e Maria Félix, tinha os elementos que lhe interessava usar. "Nunca percebemos bem se estas duas mulheres foram grandes actrizes de cinema ou se apenas fazem muitos filmes. Mas é esse jogo de simulacros, de máscaras e de personagens que faz a peça", explica. Isso e o monumental trabalho de adaptação das canções de Vincent Ségal (era preciso encenar estes "standards" e Vincent Ségal faz isso só com um teclado, uma guitarra e um violoncelo eléctrico). Foi esse o cenário que a portuguesa Vera Mantero, a italiana Claudia Triozzi e o nova-iorquino Miguel Gutierrez encontraram quando chegaram a "(Not) A Love Song": um texto, uma série de "standards" e um coreógrafo que queria fazer uma comédia musical e ao mesmo tempo recusar os códigos dramáticos da coisa, ou pelo menos sabotá-los com as suas referências estéticas e emocionais (por exemplo: usando "a memória das poses, das luzes, dos gestos, de todo esse aparato 'camp'" ao serviço de "um novo género").

Foram as pessoas certas no sítio certo: "O que eles fazem é incrível. Na Europa é muito raro encontrar artistas que cantem, dancem e representem com aquele à-vontade. Mas eu já tinha trabalhado com elas - e com o Miguel também, mas ele vem de outro meio, em que essa circulação se faz com toda a normalidade -, sabia que a Vera tinha uma experiência vocal curiosa a partir de coisas do Caetano Veloso e que a Claudia usa muito a experimentação vocal nos seus próprios espectáculos", argumenta Buffard. Trabalharam as versões e depois ficaram a ver aonde é que elas iam parar: "Elas não tinham o hábito de um certo repertório, género Joy Division ou Iggy Pop, nem mesmo de coisas que parecem muito simples mas que depois se mostram complicadas, como as canções que o Weill fez com o Brecht. Mas o exercício foi justamente pegar em músicas conhecidas e fazê-las derrapar para outro género. Há uma canção dos Velvet Underground que a Vera canta como uma fadista, e uma ária que o Miguel canta como se fosse um pastor americano. Há um efeito de deslocação, sempre". Depois viram muitos filmes ("O Crepúsculo dos Deuses", "A Saudade de Veronika Voss", "O Que Teria Acontecido a Baby Jane?" e "Persona"), olharam muito para as grandes actrizes (sobretudo para Marlene Dietrich, que Alain Buffard acha uma das maiores de sempre: "Ninguém diz tantas coisas com o corpo como ela, e sempre com muito poucos meios, quase só com os olhos") e trouxeram daí um arsenal de gestos, de frases e de imagens que reutilizam em "(Not) A Love Song", dentro deste filme a preto e branco que tanto pode ser "um apartamento chique como um estúdio de rodagem".

Concepção e cenografia ALAIN BUFFARD

Com MIGUEL GUTIERREZ VERA MANTERO VINCENT SÉGAL CLAUDIA TRIOZZI

Adaptação musical VINCENT SÉGAL

Luzes YVES GODIN

Intérpretes vestidos por YOHJI YAMAMOTO CHANEL CHRISTIAN LACROIX CASEY VIDALENC

Fotografia MARC DOMAGE

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