02/05/2009

Kid Congo Powers

Kid Congo Powers é uma figura do underground da década de 1980. Esteve nos Cramps, nos Gun Club e nos Bad Seeds de Nick Cave, e nos últimos tempos, para lá de uma carreira individual, tem gravado música com gente como Mark Eitzel e Michael Gira (com este colaborou num disco dos Angels of Light). Agora edita "Dracula Boots", e apresentou na ZDB. diz em entrevista ao jornal Público, que está a escrever as suas memórias e que, com isso, a música mudou. O regresso à "selva psicadélica". Kid Congo Powers conta-nos que está a escrever um livro de memórias. Pensamos que não precisa de ser muito bem escrito, que nem precisa de ser um quinto do que são, por exemplo, as "Crónicas" de Dylan. A verdade é que só pode resultar em algo interessante. Nascido em La Puente, subúrbio de Los Angeles, em 1960, Kid é uma figura inescapável do underground rock'n'roll da década de 1980. Foi guitarrista dos Cramps, com quem gravou, entre outros, o seminal "Psychedelic Jungle". Aprendeu a tocar guitarra com Jeffrey Lee Pierce, dos Gun Club, banda a que ajudou a dar forma (estava lá, por exemplo, em "Las Vegas Story"). Depois disso, viajou até Berlim e encontrou Nick Cave, Mick Harvey ou Blixa Bargeld: "Acho que poderias ser o nosso guitarrista", disseram-lhe. Entre 1988 e 1990, foi um dos Bad Seeds, colaborando em "Tender Prey" e "The Good Son". E há ainda as histórias com os Ramones - adolescente, foi viver para Nova Iorque e "inventou-lhes" um clube de fãs -, os encontros delirantes com David Thomas, dos Pere Ubu, o trabalho com Judee Still, a amizade com Lydia Lunch. A lista é infindável. Kid Congo Powers, o guitarrista que, nos Cramps, queria parecer Ronnie Spector e o namorado de Ronnie Spector unidos num corpo só, tem um percurso que, começando na abrangente cena punk nova-iorquina, se alargou a toda uma série de manifestações underground - "o que me interessa é aquilo que acontece por trás do cenário, o que me interessa é o ventre das coisas", dir-nos-á o homem que acaba de editar "Dracula Boots", gravado com os Pink Monkeybirds, a banda que o acompanha há alguns anos e que com ele estará, esta noite, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa (23h). Kid Congo Powers diz-nos então que está a escrever um livro de memórias - e que a experiência está a deixar marcas na sua música. Por uma razão: aquilo de que tem retirado maior prazer neste obrigatório regresso ao passado são as recordações do antes. Antes: "quando era um miúdo e estava a descobrir a música"; quando a irmã mais velha lhe falava de concertos a que o levaria, como os dos Thee Midniters, banda de chicano rock dos anos 1960 de quem ouvimos uma versão, "I found a peanut", em "Dracula Boots": "Ficava excitado só de pensar em ir vê-los, mesmo sem saber ao que soariam. Claro que, depois, estando lá, percebia imediatamente o que havia ali de tão excitante." Ouvindo-o, começamos a compreender melhor o cenário escolhido para o nascimento do novo álbum. Música no ginásio "Dracula Boots" foi gravado em Harveyville, cidade no Texas com meros 250 habitantes. Foi gravado, mais precisamente, em estúdio montado no ginásio de uma escola secundária. A escola não recebe alunos e é ali que vive o teclista e produtor Jason Ward - comprou-a quando a Câmara local, sem uso a dar-lhe, decidiu pô-la à venda (não há miúdos em número suficiente em Harveyville). O cenário: Kid Congo Powers, instalado no palco montado no ginásio, a imaginar os concertos a que a irmã o levava e os filmes que via das janelas de casa - nas imediações, destacavam-se as grandes telas de dois drive-ins. Pretendia, descreve, recriar um ambiente de festa adolescente, com miúdos a dançar e outros a libertar a libido na escuridão, com miúdos a beberem os primeiros copos e professores a juntarem-se ao baile (os mais porreiros) ou a sofrerem partidas cruéis (os que não interessavam). Claro que não é só isso - um Kid Congo Powers não pode fugir à sua natureza: em "Dracula Boots" criam-se ambientes de filme sci-fi, dança-se soul de garagem com zumbidos assemelhados a theremins, ouve-se Kid Congo, em regime spoken-word, contar histórias com o seu quê de tétrico - uma delas, "Late night scurry", é "sobre estar com Pere Ubu num bar, em ácidos, a ter uma série de iluminações". Kid Congo Powers pode querer regressar a uma adolescência mitificada, mas não regressa totalmente. A conversa avança e, a determinado ponto, falamos da morte de Lux Interior, o vocalista dos Cramps, em Fevereiro. Ele recorda que a banda só se convenceu definitivamente a acolhê-lo quando lhes apareceu com um casaco dourado comprado na Lansky Brothers, a loja de roupa preferida de Elvis Presley - "o estilo era uma forma de expressar individualidade e aquele casaco dourado dizia muito sobre aquilo em que estava interessado: acho que também entrei nos Bad Seeds por causa desse casaco". Falávamos disso e de como a criação de uma personagem, que se torna real e que se transporta para a música, é algo tão entranhado na história do rock'n'roll. É então que Kid Congo Powers nos diz isto: "Estive num concerto dos Cramps há uns anos, depois muito tempo sem os ver. Fui transportado. Nunca existiu nada assim, nem antes, nem depois. Basta uma olhadela e percebes imediatamente que queres atravessar aquela porta. Isso levou-me a pensar naquilo que queria que fosse o meu próximo disco. Pensei neles e no facto de terem ido propositadamente a Memphis para gravar o primeiro álbum. Pensei em como o espaço afecta realmente a música que criamos." Como sabemos, Kid Congo Powers não foi a Memphis. Montou um palco num ginásio e embrenhou-se na "selva psicadélica" inventada pelos Cramps. Neste sentido: "Não quis fazer um disco desafiante, não quis um disco que fizesse as pessoas sentirem-se terrivelmente consigo próprias - o que já fiz no passado, a bem da beleza." Agora, "quis que as pessoas se sentissem vivas, algo que levantasse os espíritos". Pegar no "bom lixo" que estes "anos merdosos" têm escondido e fazer a festa, marginal e desviante. No concerto de Lisboa, revela, tocará as novas canções, tocará velhas canções dos Cramps e dos Gun Club. "Estejam preparados e tragam as vossas botas Drácula", despede-se. 1/5/2009 Por: Mário Lopes,jornal Publico.

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