Em palco juntaram-se Ianina, violinista luso-russa da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, e Dj Yur, um dos nomes maiores da electrónica nacional. Virada para eles estava a câmara, manipulada por António Silva, que captava imagens que iam aparecendo nos dois ecrãs que estavam no palco.
A ideia “tornar visível algo que é invisível ”,como referiu António Silva na apresentação do concerto. Esse invisível é o esforço motor que se reflecte na temperatura corporal. No intervalo dos temas, Catarina Aguiar Branco, fisiatra, ia explicando o que o público estava a ver.
Uma iniciativa invulgar, um olhar indiscreto que pretendeu revelar o lado oculto de uma performance musical. Olhar um concerto, segundo uma perspetiva completamente nova. Foi a proposta.
O estudo de uma equipa multidisciplinar de investigadores da Universidade do Porto, e do Instituto Politécnico do Porto, sai dos laboratórios diretamente para o Salão Nobre da Reitoria. O resultado será um concerto inédito onde a arte se alia à ciência. A violinista Ianina Khmelik é o alvo de uma câmara termográfica que desvenda o lado invisível de um corpo em ação.
«Anatomia musical: do visível ao invisível» foi um concerto inesperado em que se ouviu Johann Sebastian Bach, Eugène Ysaÿe e alguns originais da violinista intérprete Ianina Khmelik e do Dj Yur.
Ianina Khmelik não é só russa, é «lusa-russa», mas é também uma violinista experiente que executou um concerto de contornos psicadélicos e pedagógicos quarta-feira à noite, no salão nobre da reitoria da Universidade do Porto.
Se a música que debitou para o auditório lotado oscilou entre o clássico e o contemporâneo, já a temperatura corporal da violinista, projectada em tempo real sobre o seu corpo com recurso a uma câmara termográfica, proporcionou um espectáculo de som e cor tornado ainda mais interessante à luz das aplicações médicas e científicas desta tecnologia.
A termografia é uma técnica que permite captar imagens do calor corporal.
Joaquim Gabriel, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, explicou que a câmara de termografia foi criada para fins militares pelos Estados Unidos da América. “Nós achámos que podia ser utilizada na análise de doentes em cirurgia e adquirimos uma”.
No entanto, como o dinheiro investido não tinha sido pouco, os investigadores decidiram começar a utilizá-la para outras aplicações. Entre várias outras coisas, é utilizada pela Faculdade de Motricidade Humana, na detecção de lesões. A Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo tem também vindo a utilizar a termografia no estudo do Complexo Cérvico Mandibular em instrumentistas de orquestra.
«Achámos que poderia ter interesse para o diagnóstico de doenças ou lesões musculo-esqueléticas», disse à agência Lusa Joaquim Gabriel, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e mentor do projecto, que «atraiu a atenção dos artistas, neste caso de Ianina, que, gostando muito das imagens, achou que podia ser feita a transição para um ambiente artístico como um concerto».
«Esta tecnologia tem sido, nos últimos anos, utilizada sobretudo em ambiente militar, mas cada vez mais encontramos outros nichos de mercado em que pode ser potencialmente útil, seja em isolamento de edifícios, na área de manutenção industrial ou na área médica», explicou o docente na FEUP.
Findo o concerto com efusivos aplausos, Ianina não perdeu tempo com modéstias e à Lusa descreveu a experiência como «um concerto completamente novo e inovador».
Para esta violinista da Orquestra Sinfónica do Porto, que tocou assistida pelo DJ Yur, «o principal objectivo foi mostrar o interior de um músico».
«Isto é o que realmente acontece dentro de nós quando começamos a tocar músicas cada vez mais difíceis, o percurso desde o aquecimento dos músculos até à apoteose, quando já ardemos por dentro», relatou.
«Este concerto foi precisamente para isso, para todo o tipo de público perceber e ver que, com esta máquina, há a possibilidade de detectar lesões e preveni-las», explicou a natural de Moscovo, de dupla nacionalidade, pois também tem a portuguesa.
De acordo com o mentor do projecto, a câmara termográfica permite detectar discrepâncias de temperatura na ordem dos 0,06 graus, pelo que com este tipo de resolução é possível «diagnosticar lesões e auxiliar também o treino de atletas».
Joaquim Gabriel acredita que «há sempre mais aplicações a descobrir» e, por isso, tem realizado «trabalhos na área de novos materiais, nomeadamente com outras universidades do país e com algumas empresas privadas», de modo a aprofundar as aplicações desta tecnologia.
Depois desta experiência, Ianina não planeia ficar por aqui, até porque «obviamente, isto foi só uma amostra pequenina para deixar as pessoas com água na boca».
«Vai haver muito mais espectáculos com o DJ Yur, comigo e com a máquina termográfica», prometeu.
Este espectáculo artístico-científico não vai ficar por aqui. Há já a ideia de uma apresentação maior, talvez como espectáculo de rua, “quem sabe no São João”.
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