A internet é hoje em dia o reflexo daquilo que somos para o bem e para o mal. Eu criei este blogue com o objectivo de falar sobre a cultura pop - musica, cinema, livros, fotografia, dança... porque gosto de partilhar a minha paixão, o meu conhecimento a todos. O meu amor pela música é intenso, bem como a minha curiosidade pelo novo. Como não sou um expert em nada, sei um pouco de tudo, e um pouco de nada, o gosto ultrapassa as minhas dificuldades. Todos morremos sem saber para que nascemos.
18/10/2009
WIRE - pequena historia sobre os três primeiros albums
"Nós não gostávamos de rock ‘n’ roll!!!. Não queríamos fazer parte daquela tradição, estávamos tentando criar algo novo".
Vindo de um integrante de uma banda tida como uma das mais influentes de um importante período do rock e pós-punk do final dos anos 1970 - frase proferida num restaurante em Barcelona é no mínimo intrigante. Ou provocadora, como gosta de classificar o seu autor, Graham Lewis, 56 anos, baixista e vocalista dos Wire, o quarteto formado em Londres,1976, com Colin Newman, 55, guitarra e voz, baterista Robert Grey, 58, e o guitarrista Bruce Gilbert, 63.
Dos quatro membros originais, apenas Gilbert, sem mais paciência e fôlego para turnês, abandonou o barco. Mesmo assim, só o fez em 2004, quando a banda já acumulava quase três décadas de actividade. Interrompidas, é verdade, por um intervalo de cinco anos em meados de 1980 e outro, mais longo, entre 1991 e 2003.
No momento, o trio anda a divulgar o seu lançamento mais recente, "Object 47", do ano passado - passaram por Portugal, em Serralves. Para isso, conta com o reforço da guitarrista Margaret Fiedler McGinnis, americana radicada em Inglaterra que divide a agenda entre uma movimentada actividade indie rock (fez parte das bandas Laika e Moonshake e tocou com PJ Harvey) e os ofícios de artesã de xícaras de chá e advogada do departamento de direitos autorais da BBC. Ainda encontrou tempo para embarcar na atual tourné européia dos Wire. Entrevista ao G1.
Punk intelectual
Quando se fala em Wire, a fuga dos padrões vai muito além das declarações como a feita por Lewis no começo do texto. Musicalmente,nasceu antes mesmo da formação da banda. Oriundos de concorridas escolas de arte londrinas - Lewis e Gilbert ainda exercem trabalhos em áreas como escultura e moda - os seus membros destoavam de contemporâneos mais famosos como os Sex Pistols e Clash , e não apenas pela formação académica de classe média.
No aspecto visual, preferiam gravatas e penteados discretos a camisas rasgadas e alfinetes, escolha que foi imitada pelos seus próprios fãs ("que não cuspiam na gente, eram civilizados", ressalta Lewis);as letras das músicas, trocavam a anarquia e a raiva escancarada por ironia, introspecção ou abstração; à badalação e ao circo de moda e comportamento ao qual a palavra "punk" passou a ser associada, disseram "não, obrigado"; a música era como uma aguda e complexa forma de arte, procurando uma plateia que "entendesse o que é provocativo" - o que lhes conferiu imagem de arrogantes ("os punks odiavam-nos completamente, éramos muito espertos, bem-vestidos e intelectuais", relembra Newman); e, no que possivelmente é o mais importante de tudo, recusaram-se a repetir fórmulas que haviam dado certo.
A origem do mito
Tal inquietude se comprova com a audição dos três primeiros e clássicos álbuns, "Pink Flag", "Chairs Missing" e "154", lançados entre 1977 e 1979. Um período assombrosa mente curto não só pelo volume de trabalho, mas também pelas nítidas diferenças estilísticas entre cada um deles. "Nenhuma banda corre estes riscos mais, nem as que têm estrutura e dinheiro para isso", diz Newman. A trilogia lendária e heterogénea foi o marco inicial do status de "banda de culto" que os Wire carregariam desde então, cuja influência resvala numa infinidade de nomes conceituados, dos R.E.M. a Fugazi, passando por Cure ou pelos paulistanos Hurtmold.
"Pink Flag" chocou por radicalizar ainda mais a fórmula de canções curtas inauguradas pelos Ramones. Traz 21 mini-canções em 37 minutos, e em cada uma delas os riffs de guitarra surgem repetitivos de uma forma bastante inovadora. O número de acordes usados nas músicas é inferior inclusive ao das composições do célebre quarteto novaiorquino.
"Vimos eles quando vieram a primeira vez a Londres e chapamos com seu primeiro disco", relembra Graham Lewis, que traz na bagagem álbuns a solo e projetos paralelos como a banda P'O. "Foram uma grande influência", concorda Newman, igualmente autor de discos individuais e actualmente também activo à frente dos Githead e da gravadora que edita os trabalhos dos Wire (não por acaso baptizada de Pink Flag). "Nós pensávamos que poderíamos fazer coisas como as dos Ramones, só que com mais ironia. O que eu realmente gostava era que eles basicamente tocavam música pop reduzida ao mínimo absoluto. Mas eu achava que isso poderia ser ainda mais reduzido, então resolvemos tentar tocar menos acordes. Os Ramones não eram uma banda idiota de rock, mas uma banda com um conceito que foi completamente compreendido por nós".
O trabalho de estréia também contém a faixa "Three girl rhumba", que teve quase a totalidade do riff principal de guitarra copiado, sem autorização, pelo grupo britpop Elastica no hit "Connection", de 1995. Colin Newman conta que só soube do plágio após a sua mulher, a israelita Malka Spiegel (ex. Minimal Compact, e colega do marido nos Githead), ter visto os Elastica no programa de TV britânico "Top of the Pops".
"Basicamente, achei bem constrangedor", rememora Newman. "Na semana seguinte ao programa, vi uma entrevista de uma das integrantes do grupo dizendo que havia falado comigo e que estava tudo bem. Eu disse 'o que? Vai se f...! '. A EMI negociou em nas nossas costas, e meu 'p... ' riff de guitarra foi parar a um anúncio da Budweiser nos EUA. Recebi só uns 5 mil dólares. Ainda estou p... da vida com isso. E eles eram uma porcaria!".
Bowie, Eno e a revolução
Já "Chairs missing", por sua vez, tem músicas mais longas, algumas até mais acessíveis para os padrões pop, como "I am the fly". Mas ao mesmo tempo, explora atmosferas estranhas criadas por sintetizadores e ruídos. Menos de um ano após sua estréia, portanto, os Wire passavam a ter muito mais a ver com o rock experimental alemão de grupos como os Neu!, ou com os discos que David Bowie vinha produzindo em Berlim com Brian Eno, do que com Ramones ou com o próprio repertório de "Pink flag".
"'Chairs missing' é o disco favorito do Bowie", confidencia Lewis, segundo o qual o próprio Camaleão do Rock teria sofrido forte impacto dos Wire na mesma época. "Por volta de 1980, as únicas pessoas que, na minha opinião, estavam na mesma área de trabalho que nós eram Bowie e Eno. 'Low' e 'Heroes' [discos de Bowie produzidos por Eno em Berlim respectivamente em 1977 e 1978] são trabalhos incríveis! Eles estavam fazendo arte! Era a revolução. Eles, como nós, queriam mudar as coisas. Tudo não precisava ser do jeito que vinha sendo, se não gostássemos do que já existia".
Mais próximo ao pós-punk gélido e cinzento de grupos surgidos na mesma época como os Joy Division - "era bem intenso o que eles faziam", reconhece Lewis -, "154" foi lançado pouco antes da primeira e involuntária hibernação dos Wire. "Havia tanta coisa a passar naquela época que nós precisávamos de uma séria ajuda para cuidar dos negócios", explica Lewis. "Nós não tínhamos isso, e tudo se desintegrou". O hiato, que só terminou em 1987 com o LP "The ideal copy", é lamentado até hoje por todos. "Foi um completo desastre, pensando em perspectivas honestas de uma carreira", endossa Newman. "Nós teríamos possivelmente sido enormes se não tivéssemos parado,a Rough Trade e a Factory, do Tony Wilson, queriam nos lançar". Segundo Lewis, os Wire estavam "dois anos à frente do que todo mundo estava fazendo naquele período".
Como explica Lewis, a banda de facto não fez uma turnê relendo o seu álbum mais conceituado - uma das tendências dos festivais de música europeus actuais, aliás - abriu uma excepção num passado recente, quando tocou o repertório de "Pink flag" na íntegra durante um show. "Não teve nada a ver com nostalgia, soou incrivelmente contemporâneo e peculiar", recorda. "Todo mundo sabia que aquilo seria único".
Como que para provar a sua não dependência do passado, os Wire já preparam material para um novo CD, a ser lançado em 2010. Se depender da animação de Colin Newman, os fãs não se decepcionarão, já que perguntado sobre qual seu disco favorito dos Wire, ele não vacila: "aquele que ainda não gravamos".
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